Muito antes de engravidar eu já acompanhava vários perfis de maternidade e educação respeitosa nas redes. Tenho uma irmã pequena, agora com 9 anos, e sempre me interessei em ser para ela uma referência de adulto de confiança diferente das outras referências da nossa família. Posso dizer, inclusive, que me considero bem sucedida nessa missão, em grande parte por conta das coisas que aprendia desde então lendo e escutando mães engajadas em maternar com consciência, respeito e senso crítico sobre a dita “criação tradicional”. Também não sou muito chegada em seguir cartilhas, nem mesmo as autointituladas progressistas. Já se vai aí quase uma década desse exercício de tentar pensar por conta própria, de ponderar, questionar, duvidar e rir um pouco de tudo o que funciona a favor de dividir o mundo em dois.
Acho que toda menina cresceu ouvindo quando você for mãe você vai entender, algo que alguns adultos diziam para justificar comportamentos de nossos pais que pareciam completamente sem sentido. Depois que você for mãe você vai virar outra pessoa. Isso também ouvi tanto que em algum momento passou a parecer mais uma ameaça do que uma profecia, como acho que era a intenção de quem primeiro falou essa frase, antes dela começar a ser matraqueada por aí.
O que não faltam são relatos sobre as mudanças que virar mãe provoca na gente. Como eu já me interessava pela maternidade antes de flertar com ela, já estava advertida disso quando engravidei. Sabia que ia mudar, que coisas imprevisíveis e fora do meu poder de escolha se transformariam. Mas virar outra pessoa? Que assustador. Eu gostava de quem eu era antes de ser mãe. Não gostava de tudo em mim – se alguém gosta de tudo em si mesmo, algo deve estar desencaixado – mas já levava uns bons anos aprendendo a viver mais em paz em mim mesma. Acho que muitas mulheres – ouso dizer que a maioria – se torna outra ao virar mãe. Quer dizer, em algum momento da maternidade a mulher passa a não se reconhecer. Não tem nada de errado nisso, não acho que uma ou outra experiência com as transformações que a chegada de um filho trazem – dimensionadas em termos de virar outra ou não – seja maior, melhor ou mais significativa que a outra. Aliás, quando digo que não me tornei outra pessoa não ignoro quantas vezes me estranhei. Os sentimentos novos que a maternidade traz por si só já são tão grandes e imponentes que é difícil não estranhá-los – será que alguém consegue?
Virar mãe – esse percurso sem linha de chegada – me transformou, sim, mas não a ponto de considerar que virei outra pessoa. Gosto da vida sendo eu a mãe do meu filho. Com meus planos de viagens exagerados, com a mania de transformar todas as músicas em uma versão para/sobre ele, com os surtos excessivos de fofura mais frequentes do que eu gostaria, com a paciência que eu nem sabia que tinha!, com o pouco jeito pra cozinha, com o vocabulário estranho, prolixo, espontaneamente rebuscado, com o medo de brincadeiras que envolvem pular ou correr. Ele sabia quem eu era quando quis vir parar na minha barriga e isso me diz que ele topa o vocabulário estranho, hiperbólico e cheio de advérbios irônicos, o amor transbordante, a facilidade pra chorar com qualquer coisa que ele faz e o enorme respeito que tenho pelo Tempo e, consequentemente, pela fugacidade da bebezice e da fofura extrema dele e a insistência em curtir tudo que der dessa delícia.
Não parei de escrever durante a gravidez. Depois que pari, escrevia no bloco de notas do celular enquanto amamentava ou enquanto ele dormia agarrado no tetê. Escrevia quando dava, como dava, e nada conspirava para que isso fosse possível. Meu palpite é que vem daí poder dizer que não virei outra pessoa: porque escrevia antes e estive escrevendo durante e esse ato, esse gesto me acompanhou até o lado de cá, este lado em que já não sou puérpera, este lado em que já tenho uma identidade de mãe e posso dizer que a mulher sobreviveu ao maremoto que traz o filho. A mulher sobreviveu porque atravessou apoiada em algo muito primordial em si: a escrita.
Saúdo as que se perderam, as que viraram outras, as que ainda estão no processo e as que se seguraram em algo visceral de si mesmas durante o mergulho e emergiram do outro lado ainda se reconhecendo. No fim das contas, o que desejo mesmo é que cada mulher possa viver para além da mãe, reconhecendo e respeitando o próprio caminhar.